Saidinha

Dias enfurnada em casa, resolvo descer de minha torre e dar uma saidinha. Vou às compras de última hora para um almoço diferente: estrogonofe.

Encontro meu vizinho versado num bom etílico. Nada contra. Quem nunca? E cada um bebe no horário que lhe apetece. Ele quer saber como é ser uma estrela global.

Global, eu?

Explico.

Recentemente estive no programa Altas Horas, passeio organizado pelo Geração Literária. Foi uma experiência única, conheci novas escritoras, nos esbaldamos por Sampa com suas avenidas eternizadas em canções e protestos, visitamos lugares icônicos e ainda apareci em rede nacional.

Ri bastante dos questionamentos de meu vizinho: se vasculhei todo o interior da emissora, se nos ofereceram um bufê, se fiz amizade e tirei fotos com globais.

Ante minhas negativas, ele me presenteou com uma de suas risadas estrambóticas e se foi.

Descubro que além de famosa, estou bonita, pois minha vizinha da esquina me fala que o tempo passa, mas eu não mudo. Ainda completa que eu continuo saidinha e alegrinha, e que agora estou saindo até na televisão. Recolho os diminutivos com carinho, o que vale é a intenção.

Acho que estou mesmo bonita, porque a vizinha do meio corrobora a anterior e quer saber se já estou de férias. Permanentemente. Ela quer saber o que é isso. Aposentei-me — explico. E não faz mais nada? Questionou, pasma. Sou uma mulher de palavra, quer dizer, das palavras agora. Pois escrevo.

Então ela conclui que estou bonita, porque estou aposentada. Concordo com ela. Trabalhar envelhece.

Descubro que sair pode ser terapêutico e massageador de egos.

Ganhei o meu dia.

Bora pra rede manter a fama e a beleza!

Escrito por: Ilma Pereira, escritora e poeta de Belo Horizonte. Quatro livros publicados, além de participação em diversas antologias poéticas. “Entre risos e sustos - crônicas divertidas de

sala de aula” foi seu livro de estreia.