Entre notas e acordes
Há tempos que nada despertava em mim um “Q” a mais, talvez, adormecida pelos efeitos dos traumas prolongados, o não sentir nada tenha se transformado em um novo padrão.

Um filme, um livro, uma carta, uma música... sempre foram emoções vindas de um mundo paralelo à realidade, que hora ou outra afagavam meu coração despedaçado. Uma leve pluma de entusiasmo sentimental percorria pelo meu corpo e pulsava vida ainda que por frágeis instantes. Por mais que a intensidade em mim fosse tão evidente quanto um solo de guitarra num show de rock, os seus sons eram sempre abafados pelas incertezas que rondavam meus pensamentos, afirmando que aquilo não mais me pertencia.
Com a certeza de que permanecia anestesiada, transitava pela vida sem medo de ser atingida por nenhuma das inúmeras possibilidades que sempre me eram apresentadas. Entretanto, num dia como outro qualquer, a vitrola acertou o tom e na noite fria que se estendia ali parada, esperando a chuva passar, ouvi uma voz familiar, firme e cheia de gentileza.
Inclinei meu corpo em direção àquele som agradável aos meus ouvidos. Enquanto um turbilhão de pensamentos se apoderava da minha mente, você terminava uma frase que eu não compreendi. Ao se aproximar ainda mais de mim, meu coração disparou com uma descarga de adrenalina intensa, a apostasia que até então me dominava desapareceu.
Havia uma melodia tocando em minha mente chamada encanto. Que ficava cada vez mais alta conforme você se achegava e, assim que suas mãos me alcançaram, meu coração se acalmou, uma pontada de sentimento adormecido, despertou.
Tudo que imaginava existir apenas em outras dimensões, eu estava experimentando naquela pequena fração de tempo. Uma sensação tão nítida e real inundava cada célula do meu corpo. O acorde que faltava para ressuscitar as notas perdidas foi achado, o meu solo de guitarra tocou outra vez.
Enquanto a chuva escorria em meu rosto e a suavidade dos respingos deslizava pela minha pele, a noite virou uma orquestra linda cheia de sentimentos afinados.
Olhares se cruzaram e logo entraram em sintonia. Havia um timbre musical oculto nas letras harmônicas que foram proferidas através de um beijo, consequentemente, ouvia-se uma bela melodia sendo entoada, afinal é natural realinhar as emoções quando se toca a alma.
Meu coração batia descompassadamente, ao te ver sorrir, parecia que tudo estava em câmera lenta. Meu corpo inteiro formigou quando me enlaçou com seu abraço e me aconchegou em seus braços. Eu não saberia descrever exatamente o que eu senti. Parecia que todas as borboletas quisessem sair do meu estômago ao mesmo tempo, tamanha a felicidade.
Meus olhos te fitavam e admiravam a profundidade do seu olhar, eu não queria que aquele momento acabasse, porque éramos um naquele instante. Eu era sua e você era meu. Pertencíamos um ao outro. Nosso encontro foi cronometrado, porém, foi uma noite inesquecível. Eu voltei a sonhar...
“A música é o vínculo que une a vida do espírito à vida dos sentidos. A melodia é a vida sensível da poesia” Ludwig van Beethoven